domingo, 23 de outubro de 2011

Capítulo 23 - Cicatrizes

Plumb - Cut

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E estas cicatrizes não seriam escondidas assim
Se você me olhar apenas nos olhos
Eu sinto solidão e frio aqui
Embora eu não queira morrer
Mas o único anestésico que me faz sentir bem, mata por dentro
(Cut – Plumb)

Eu adormeci mais rápido do que pensei que fosse possível, quando acordei o sol que me banhava pela janela já estava forte, o que significa que já devia ser a hora do almoço.
Me sentei devagar, porque assim que comecei a me levantar minha cabeça aparentava ter uma tonelada presa a ela, e doía como se eu tivesse batido com ela diversas vezes o que na verdade faz algum sentido levando em conta a tortura que eu passei. Assim que esse pensamento me vem a cabeça o afasto, eu não posso lembrar daqueles momentos, e nem quero.
Quando consigo retomar a consciência por completo Clara irrompe pelo quarto como um turbilhão e se joga em cima de mim, nos primeiros minutos eu não consigo entender nada do que ela diz, primeiro porque eu mal consigo respirar com ela me apertando e segundo porque ela fala tudo tão rápido que eu só consigo entender as palavras: maluca e preocupada.

- Calma Clara, eu estou bem agora... – ela me interrompe com mais um turbilhão de palavras – Meu deus Clara eu não consigo respirar!
Nesse momento ela sai de cima de mim, e senta ao meu lado.
- Você tem noção de como eu fiquei preocupada com você? Você é maluca ou o que para sair da ordem assim? É ordem o nome disso aqui não é? Enfim... O que aconteceu Cat?
Ela me encara, os olhos duas bolas que parecem querer saltar das orbitas, e a sua volta um roxo mais forte do que de costume o que indica que ela não dormiu.
- Eu... – A verdade era que eu não sabia como dizer isso para Clara porque eu ainda não tinha dito nem para mim mesma, tudo aconteceu muito rápido e ao mesmo tempo, e enquanto eu estava sendo torturada eu meio que estava sem tempo para pensar em minha transformação quando eu estava gritando de dor. – Eu não sei Clara, eu ainda não tive muito tempo para pensar sobre isso.
Ela me encarou
- Sobre o que Cat? O que aconteceu?
- Eu... lembra quando eu sai daqui dizendo que ia procurar a Hevi? – ela assentiu – Então, eu cheguei ao escritório de Henrique e ouvi uma conversa entre ele e uma espécie de médico eu não sei ao certo, falando sobre minha transformação... – eu fiquei em silencio, os olhos dela lentamente se arregalando quando ela começa a entender o que isso significa.
- Como assim? Você vai...? – ela não termina a frase.
- Pelo o que eu entendi isso está no meu gene, e eu vou entrar em transição a qualquer momento.
Ela vira o rosto e começa a encarar o nada. Pela primeira vez eu vejo a Clara sem fala, o que acredite em mim não é comum se tratando dela e essa atitude me deixa mais nervosa do que eu estava.
- Clara, pelo amor de deus fala alguma coisa!
- Ah! – ela se vira para mim – Hum... Mas Cat... Eu não sei como dizer isso da forma fácil, então lá vai... Você já não imaginava isso? Quer dizer, você está morando em uma ordem de vampiros, com a sua mãe e seu pai vampiros, e está apaixonada por um vampiro, Meu deus! Qual parte você perdeu? Porque até onde eu entendi você não vai ter uma vida normal Cat, não mais... Então, se você quiser ficar perto dessas pessoas, esse é o único caminho!
Eu encarei o nada e comecei a brincar com a linha do lençol. Como eu poderia explicar para ela que o problema não é a transformação em si, quer dizer é claro que na hora foi um susto, apesar de tudo eu não tinha pensado nisso, mas a Clara tem razão se eu quero conviver com essas pessoas esse é o único caminho, mas o problema é que eu posso não sair viva, isso tirando a parte que vai ser altamente doloroso.
Eu fiquei em silêncio, até que a Clara o quebrou com o mesmo costume de sempre de ler minhas expressões e saber quando algo está realmente errado.
- Cat, agora me fala, qual é o real problema nessa história? Do que você tem medo?
- Eu ouvi a conversa deles Clara, e a questão é que ... – eu não consegui dizer, as palavras simplesmente estavam presas na minha garganta. – Eu... Eu posso... A questão é que eu posso não sair viva Clara! Pronto! Esse é o problema eu posso morrer, e segundo eu ouvi vai ser extremamente doloroso!
Nesse momento a Clara me puxou para perto dela, e me abraçou. Nós ficamos assim por um bom tempo, respirando fundo e abraçadas.
Quando eu me afastei, ela olhou no fundo dos meus olhos.
- Cat, agora me escuta – ela fez uma pausa conferindo se eu estava prestando atenção – Vai ficar tudo bem, eu vou estar do seu lado, e nós vamos dar um jeito entendeu?
Eu assenti.
- Clara? - Ela me encarou
-Sim?
- Eu vou tomar um banho, será que eu posso ficar um pouco sozinha? É que aconteceu tanta coisa, eu preciso colocar os pensamentos no lugar – eu forcei um sorriso.
- Claro, mais tarde eu venho te chamar para nós irmos andar a cavalo que tal? – ela sorri e levanta da cama do seu jeito animado.
- Claro.

Assim que Clara sai do quarto eu me levanto e vou em direção ao banheiro, quando paro na frente do espelho, eu quase dou um pulo de susto. Minhas roupas estão sujas de sangue, apesar de quase todas as feridas já terem curado.
Parada ali, toda suja de sangue uma onda de nojo, medo, e outros tantos sentimentos me vêm ao mesmo tempo, imediatamente eu ligo o chuveiro e entro embaixo dele.
Chorando e soluçando, eu começo a colocar para fora todas as lágrimas que não me vieram antes, toda a dor que eu senti, toda a solidão, todos os sentimentos de uma vez, a saudade de casa, o medo do que vai acontecer, a tortura, a dor pelo Pedro, tudo ao mesmo tempo. Sem que eu perceba eu pego uma esponja e começo a esfregá-la pelo os meus braços e pernas. A água vermelha suja de sangue tomando conta do box, e me fazendo sentir mais nojo ainda de mim mesma. Eu estava imunda, suja, e essa sujeira, esse sangue parecia simplesmente não querer sair, como se estivesse impregnado na minha pele para me lembrar de tudo o que eu passei.
Eu consigo ouvir passos no quarto, mas não dou ouvidos, agora que eu deixei toda a dor vir a tona, todas as lágrimas e sentimentos diversos eu não posso mais controlar, só me resta esfregar e chorar.
Eu continuo esfregando e o sangue parece não sair, uma onde de raiva toma conta de mim, e eu escuto um grito, eu estou tão tomada pela raiva, pela dor que quase não percebo que o grito saiu dos meus lábios até que eu olho para baixo e percebo que eu estou me arranhando, meus braços agora com cortes finos feitos pelas minhas unhas, e escorrendo sangue.
Quando vejo aquele sangue todas as lembranças me voltam a mente, os dois capangas de Carlos me cortando e me queimando, e antes que eu perceba meus braços estão caídos e eu estou abaixada com a cabeça entre as pernas, eu não escuto nada só a água caindo e os soluços do meu choro.
Eu fico assim por um tempo, até que eu escuto alguém gritando o meu nome.
E sem que eu precise olhar eu já sei quem é, eu reconheceria essa voz em qualquer lugar, qualquer tempo. Pedro.
Ele irrompe pelo box, me levantado e me sacudindo.
- Catarina? Meu deus está tudo bem? – Ele me olha nos olhos, mas eu não posso olhar para ele, não nesse estado, não quando eu estou deixando todas as minhas emoções virem a tona, se eu o olhar agora eu não vou aguentar.
- Não. –É o máximo que eu consigo dizer, minha voz sai baixa, nada além de um sussurro, quando eu sei que não, nada está bem, e não sei dizer quando vai ficar, ou se um dia irá ficar bem de novo.
Quando ele me olha de cima a baixo e vê os arranhões, ele me puxa para perto dele, me aninhando a ele, e sem poder mais resistir eu me agarro a ele e deito minha cabeça em seu peito, tão perfeito, como se fosse feito exatamente para me abrigar. E volto a chorar, o choro agora mais intenso do que antes.
Pedro não falou nada, só me apertou com força e alisou meus cabelos, separando mecha por mecha, beijando minha testa.
Por fim, quando as lágrimas pararam de cair, e tudo o que restava era minha respiração alterada, ele cortou o silêncio.
- Vai ficar tudo bem Catarina – foi tudo o que ele disse, mas de alguma maneira ouvir isso dele, foi melhor do que qualquer coisa, de alguma maneira quando ele disse isso, ele quase me fez acreditar, pelos poucos segundos em que eu ouvi sua voz o alívio tomou conta de mim, mas não posso mentir para mim mesma, não posso me agarrar em um amor que não me pertence, um amor que já foi meu, mas isso foi a muito tempo, em outra vida. E agora eu estou sozinha. Pelo menos por dentro.
Esse pensamento me fez me encolher mais em seu colo, e apertá-lo com mais força, por mais que eu saiba que não posso tê-lo, eu insisto em não conseguir deixá-lo ir, eu simplesmente perco o ar só de imaginar não vê-lo, não ver seu sorriso, ou ouvir suas piadas sarcásticas, ou até mesmo suas evasivas, e suas mudanças de humor repentinas.
Mas, como tudo na vida existe sempre o “porém”, aquele porém que te faz se encolher e chorar a noite, que faz o um nó se forma em sua garganta, e te faz querer gritar e implorar para alguma força maior te escutar e fazer isso passar.
O mesmo porém que sempre volta para me lembra que o máximo que eu posso ter é isso, esses momentos aninhada em seu colo, esses poucos minutos junto dele, e que depois tudo vai voltar a ser como é, nós dois amando sem poder amar.
Eu me afastei de Pedro e me levantei.
- Hum... Eu acho que vou tomar um banho de verdade agora – Eu falei ainda sem olhá-lo, eu não posso olhar para ele, não quanto tudo dentro de mim ainda está tão instável. – Obrigado Pedro.
No momento em que eu falei o seu nome, um nó se formou em minha garganta, e uma dor se instalou no meu peito como se eu tivesse levado um soco.
- De nada, eu acho que devo ir agora, você tem certeza que vai ficar bem? – Ele ameaçou pegar minha mão, mas eu me afastei, eu não posso me permitir provar mais dele, porque como tudo em relação a ele uma vez que eu provo eu me sinto tão entorpecida, tão embriagada com o seu toque e o calor que emana do seu corpo que eu não consigo deixá-lo ir.
Eu somente assenti, ainda sem olha-lo.
- Tudo bem então, tchau Catarina. – Com um sopro de vento, ele se foi, levando com ele toda e qualquer paz que ainda havia dentro de mim, levando embora o alívio que poucos minutos em sua presença me proporcionou, e me deixando apenas com a dor e um nó na garganta que insistia em me deixar sem ar, mas de alguma forma eu consegui sorrir porque pelo menos a dor era uma prova de que ele esteve aqui.

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